quinta-feira, 9 de setembro de 2010

TEATRO POLÍTICO: UMA HISTÓRIA DE UTOPIA

A arte a serviço da transformação social

Documentário originado de dissertação de mestrado da UFPR conta a história do teatro político dos anos 60 em Curitiba

"Um cara perguntou a Lênin como é que se virava comunista. E Lênin respondeu: pela sensibilidade. O que é que a arte dá ao ser humano? A sensibilidade. Daí você pode fazer política, vai estudar história, economia, ler Mao Tse Tung. Mas só depois que você já tem a sensibilidade."

Essa pequena história é contada por Euclides Coelho de Souza, fundador do movimento de teatro político em Curitiba, e está no documentário "Teatro político: uma história de utopia", dirigido por Túlio Viaro, com pesquisa e roteiro de Ana Carolina Caldas e fotografia de Gilson Camargo.

O documentário originou-se a partir da dissertação de mestrado da roteirista Ana Carolina, em História da Educação, na UFPR. A estréia acontece na segunda-feira, dia 13 de Setembro, na Cinemateca, às 20 horas.

O documentário cobre o período de 1959 a 1964, quando a ditadura militar é instaurada no país.

O trabalho de produção, da pesquisa à finalização, durou cerca de um ano e foi concluído em fins do último mês de agosto. O financiamento veio pelo Edital de Patrimônio Imaterial, da Lei Municipal de Incentivo à Cultura.
Panorama
A utopia de estudantes, artistas, intelectuais e jornalistas que acreditavam no teatro como instrumento revolucionário é retratada no documentário através de depoimentos de quem fez parte do movimento, como Euclides Coelho de Souza, Adair Chevonicka, Zélia Passos, Alcidino Bitencourt e Marly Genari. O documento traz ainda a observação de jornalistas culturais da década de 1960, como Luiz Geraldo Mazza, René Dotti, Hélio de Freitas e Edésio Passos.

"O que deu para perceber nas entrevistas com os integrantes do movimento é que todos eles revivem o período com muita emoção. Todos têm aquela época como algo muito marcante", conta Ana Carolina.

"Teatro político: uma história de utopia" revela o forte diálogo existente no início dos anos 60 entre o teatro engajado local e o nacional, desde as influências do teatro de arena até a formação dos centros populares de cultura (CPCs), que tiveram o poeta Ferreira Gullar como um dos seus coordenadores. No vídeo, Gullar faz uma revisão do passado. "O CPC tinha como objetivo, a longo prazo, instaurar o socialismo no Brasil. Mas ninguém tinha ilusão que isso ia acontecer no ano seguinte. Tínhamos consciência das dificuldades", relembra o poeta. "Agora, existiam também as circunstâncias imediatas, da política imediata, que era a defesa do governo João Goulart", continua ele.

Ferreira Gullar também fala sobre a importância da estética do teatro dentro do movimento. "A questão estética ficava em um plano secundário, a coisa prioritária não era fazer uma bela peça ou um belo poema. Era fazer uma peça que tivesse eficácia política", afirma.

Outro entrevistado pelos documentaristas, Euclides Coelho, integrante do movimento de teatro político em Curitiba, relembra a maneira um tanto precária com que as peças eram operacionalizadas na época. "Fizemos em um dia só a peça Subterrâneos da Cidade, para o Dia do Trabalho. Fizemos no Teatro Guaíra, que naquele tempo era só cimento", conta.

Euclides também revela detalhes da montagem de "Os justos", de Albert Camus. "Na nossa montagem, o personagem materialista acaba sendo bem mais reacionário que o cristão. Nós mudávamos os textos, porque no CPC nós éramos desaforados", brinca.


Histórico
O início do movimento de teatro político em Curitiba acontece em 1959, quando estudantes da Juventude Comunista encenam a peça "Pátria ou morte", de Oduvaldo Viana Filho, sobre a revolução cubana.

À época, o espetáculo aconteceu nas ruas, em cima de um caminhão, naquilo que então foi chamado de "representações-comícios". O grupo, liderado por Euclides Coelho e pelo jornalista Walmor Marcelino, pretendia conscientizar a população de sua função revolucionária. A peça também foi levada para sindicatos e associações de moradores.

Em 1960, forma-se o grupo Teatro do Povo, ligado ao Partido Comunista. Posteriormente, para declarar independência do partido, o grupo funda a Sociedade de Arte Popular. É desta fase a encenação de "Os justos", de Camus, "A prostituta respeitosa", de Jean-Paul Sartre, e "Subterrâneos da cidade", de Walmor Marcelino, montada por ocasião das comemorações do dia 1º de maio.

O documentário exibe cenas dos três espetáculos, remontadas especialmente para o trabalho pelas atrizes Chiris Gomes, Cris Macedo e Maureen Miranda, com a direção de Octávio Camargo.


Campanha contra o analfabetismo
As atividades da Sociedade de Arte Popular arrefeceram em 1962. No mesmo momento, Oduvaldo Viana Filho criou, no Rio de Janeiro, o Centro Popular de Cultura (CPC), em parceria com a União Nacional dos Estudantes (UNE). Patrocinada pelo governo de João Goulart, a UNE cria o Projeto Une Volante.

Dirigentes estudantis e artistas passam a viajar o Brasil para debater a reforma universitária e criar novos centros populares de cultura. Ferreira Gullar, um dos coordenadores do CPC nacional, diz no documentário que a missão era fazer através da cultura a defesa de temas nacionais e a luta contra o imperialismo.

Em Curitiba, Euclides Coelho torna-se coordenador do CPC local. Seus integrantes ingressam no movimento contra o analfabetismo, deflagrado por Jango, em 1963. Com o Método Paulo Freire, eles vão para as favelas e através do teatro de bonecos passam a alfabetizar mulheres e homens trabalhadores.

Em abril de 1964, a ditadura militar aborta o trabalho do grupo.


Ficha técnica
Documentário: "Teatro Político: a história das utopias".
Duração: 30 minutos.
Autora: Ana Carolina Caldas.
Edição e filmagens: Tulio Viaro.
Fotografia: Gilson Camargo.
Trilha sonora: Octávio Camargo.

Ilustração:
Vídeo: Tulio Viaro – Fotos: Gilson Camargo – Entrevista: Ana Carolina Caldas

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