Em novo filme, Woody Allen reúne de novo a chuva e outros protagonistas que talvez você nunca tenha percebido | ||
*Por Elie Cheniaux, professor associado da UERJ e da pós-graduação em psiquiatria e saúde mental da UFRJ, autor de “Woody Allen, seus filmes são mesmo autobiográficos”? | ||
Escrito
e dirigido por Woody Allen, “Um Dia de Chuva em Nova York” teve sua
estreia antecipada no Brasil. O filme, que seria lançado aqui no dia 9
de janeiro de 2020, chega em 21 de Novembro. Na trama, Gatsby (Timothée
Chalamet) e Ashleigh (Elle Fanning) são um jovem casal de namorados que
decidem passar um final de semana em Manhattan. Mas o romance acaba
tomando um rumo inesperado, quando um diretor de cinema e a irmã de uma
ex-namorada cruzam seu caminho. O elenco ainda conta com Selena Gomez,
Jude Law, Rebecca Hall e Liev Schreiber.
A
película fazia parte de um acordo entre a Amazon e Woody Allen. De
acordo com o contrato, o cineasta teria que produzir mais três filmes.
No entanto, a parceria foi rompida. Em 1992, Woody Allen fora acusado de
abusar sexualmente de sua filha adotiva, Dylan Farrow, e desde a
ascensão dos movimentos #MeToo e Time’s Up, as acusações voltaram à
tona, fazendo com que a Amazon deixasse o filme de lado. Uma disputa
judicial entre a companhia e o cineasta vem impedindo o lançamento nos
Estados Unidos, o que não ocorreu na Europa e no Brasil.
Polêmicas
à parte, “Um Dia de Chuva em Nova York” traz novamente o que nunca pode
faltar em um filme de Woody Allen. Se você é tão apaixonado como eu, é
possível que já tenha percebido “pontos protagonistas” de seus filmes.
Aqui, vamos nos atentar a três deles: Nova York, romantismo e, claro,
chuva, presente até no título:
Nova York
Já virou lugar-comum afirmar que, na maioria dos filmes de Woody
Allen,
a cidade de Nova York é praticamente uma personagem. Como refere o seu
biógrafo Natalio Grueso, o cineasta se tornou o “melhor embaixador
internacional de Nova York”. Allen criou uma cidade idealizada, que
encanta os americanos e os estrangeiros. Uma cidade glamorosa, que nunca
é mostrada suja ou decadente nos seus filmes e que, como diz o
jornalista Nelson Motta, jamais será alcançada pela Nova York real.
Segundo
o professor de literatura, Ubiratan de Oliveira, os quatro minutos
iniciais do filme “Manhattan” talvez representem a maior homenagem
prestada a uma cidade. É mostrada uma sequência de belas imagens em
preto e branco de Nova York: seus parques, ruas, pontes, edifícios, o
tráfego de pedestres e de veículos, em diversas horas do dia e em todas
as estações do ano. Tudo isso ao som de Rhapsody in Blue, de autoria do
compositor nova iorquino, George Gershwin, e executada pela Orquestra
Filarmônica de Nova York.
Nascido
no Bronx e criado no Brooklyn, Woody Allen foi pela primeira vez a
Manhattan aos cinco ou seis anos de idade, levado por seu pai. Ele conta
que se apaixonou pela ilha no exato momento em que saiu do metrô e
colocou os pés em Times Square. Ficou impressionado com a quantidade e o
luxo dos cinemas. Outras atrações para ele em Manhattan, na sua
infância, incluíam shows de marionetes na rua, barracas de tiro-ao-alvo,
a Broadway e o restaurante Lindy’s, na rua 52. “Quando atravessava para
Manhattan, era uma explosão de tudo o que só se via nos filmes de
Hollywood”, disse ele ao seu biógrafo, Eric Lax.
Perguntado
pelo jornalista Stig Björkman se, como alguns de seus personagens, não
conseguia funcionar fora de Nova York, Allen reconheceu que isso era
“parcialmente verdadeiro”. Disse que em uma cidade grande e cosmopolita,
poderia residir durante algum tempo, mas preferia Nova York. No
documentário “Um Retrato de Woody Allen”, o cineasta refere que, quando
está fora de casa, Paris é a única cidade em que consegue sobreviver.
Romantismo
Um
aspecto marcante da filmografia de Woody é, sem dúvida, o romantismo.
Uma imagem que sintetiza o romantismo na sua obra é a do cartaz de
“Manhattan”, em que vemos, em preto e branco, as silhuetas de Isaac
(Woody) e Mary (Diane Keaton), com o cachorrinho dela, sentados em um
banco junto à ponte do Queensboro, em Nova York. No mesmo filme, há
diversas cenas românticas, como a do passeio de carruagem de Isaac e
Tracy (Mariel Hemingway) pelo Central Park, que Allen iria repetir, anos
depois, em Café Society, agora com Bobby (Jesse Eisenberg) e Vonnie
(Kristen Stewart).
No
filme “Paris-Manhattan”, em que Woody Allen faz uma ponta como ele
mesmo, o romantismo é o aspecto que recebe o maior destaque. Em Paris, o
francês Victor (Patrick Bruel) dá de cara com o famoso cineasta Woody
Allen em um hotel e conta para ele sobre a sua paixão por Alice (Alice
Taglioni), grande fã do nova-iorquino. Allen o incentiva a tentar
conquistá-la e faz uma veemente defesa do romantismo. Em seguida, o
rapaz consegue convencer Woody a conversar com Alice, e ela, diante dos
elogios feitos sobre Victor pelo seu maior ídolo, rende-se ao rapaz. Sem
dúvida, o roteiro de “Paris-Manhattan” parte da premissa de que Woody
Allen, como pessoa, é tão romântico quanto seus filmes.
Chuva
Nas
cenas românticas do cineasta, frequentemente está chovendo. Em “Magia
ao Luar”, Stanley (Colin Firth) e Sophie (Emma Stone) estão voltando de
uma visita à tia de Stanley (Eileen Atkins). O carro sofre uma pane e
começa a chover e relampejar. Eles correm para um planetário. Lá dentro,
ela pede para ele abraçá-la, pois está molhada e com frio. Quando acaba
a chuva, eles abrem o teto e observam o céu.
Em
“A Outra”, Marion (Gena Rowlands) e Larry (Gene Hackman) se encontram
por acaso quando vão comprar ingressos para o mesmo concerto. Ele está
apaixonado por ela, mas Marion está para se casar com um amigo dele (Ian
Holm). Larry a convence a beberem juntos e, depois, caminham pelo
Central Park onde, claro, começa a chover, e eles correm para se
refugiar debaixo de uma passarela e acabam se beijando. Já em “Para
Roma, com Amor”, Jack (Jesse Eisenberg) e Monica (Ellen Page) estão
visitando as ruínas das termas romanas à noite. Começa a chover e Monica
diz a ele que acha as tempestades muito românticas. Jack já está
apaixonado por ela e lhe faz um elogio, dizendo que ela fica “muito
bonita um pouco molhada”.
Numa
declaração ao jornalista Stig Björkman, Woody Allen explica a relação
que vê entre chuva e romantismo: “Adoro a chuva! (...) Você sabe que
detesto a luz do sol. (...) E eu chamei uma garota de ‘Rain’ em ‘Maridos
e Esposas’ porque este nome é lindo. (...) Sabe, eu gostaria de fazer
um filme onde chovesse cada vez que os amantes estivessem juntos. Quando
eles se encontrassem, quando saíssem, quando fizessem amor, enfim,
quando fizessem não importa o quê. Choveria sempre que eles estivessem
juntos. (...) Por isso, nos filmes só é romântico se estiver chovendo. O
estado de espírito é muito importante. (...) Sempre acho que a chuva me
dá a sensação de intimidade. As pessoas ficam confinadas em suas casas.
Procuram abrigo. Estão protegidas no interior dos seus lares. (...) A
chuva fornece o clima para que coisas mais íntimas aconteçam entre elas,
seja se apaixonando ou compartilhando da sua aproximação. Ela afeta o
estado de espírito destas pessoas de certa forma”.
Nos bastidores
Há
também outro aspecto, mas ainda não admitido por ele: seus filmes são
mesmo autobiográficos? Essa tem sido uma declaração frequente de Allen
ao longo de sua carreira. São tantos os fãs, jornalistas e críticos de
cinema que juram que seus filmes são uma cópia fiel de sua vida que
volta e meia o cineasta se sente obrigado a rebater essa ideia.
Em
quase todos os seus primeiros filmes, como “Noivo Neurótico, Noiva
Nervosa” (1977) e “Manhattan” (1979), Woody Allen também participou como
ator, fazendo o papel principal. Parecia ser sempre o mesmo personagem:
neurótico, ansioso, depressivo, hipocondríaco, com medo da morte,
inseguro, tímido, inteligente, culto, cinéfilo, freudiano, narcisista,
romântico, urbano, nova-iorquino, irônico e, acima de tudo, engraçado.
Mesmo em sua produção mais recente, em que Woody quase sempre se limita a
ficar atrás das câmeras, esse personagem típico não desapareceu e tem
sido interpretado por outros atores. Will Ferrell, em “Melinda e
Melinda” (2004), e Larry David, em “Tudo pode dar Certo” (2009), já
cumpriram essa missão.
A
recorrência desse personagem e o fato de o próprio Allen tê-lo
incorporado diversas vezes indicam que o que vemos na tela é o cineasta
em pessoa, interpretando a si mesmo. Além disso, várias coincidências
são apontadas entre os enredos de seus filmes e fatos de sua vida
pessoal. Por exemplo, o filme “Maridos e Esposas” (1992) é considerado
por muitos um retrato mais ou menos preciso do fim do seu relacionamento
com Mia Farrow. Apesar de todas as evidências, só nos resta a
incógnita.
Ao
final, fica a pergunta: diante de uma mente em ebulição como a de Woody
Allen, o que esperar de “Um Dia de Chuva em Nova York”?
*Dr. Elie Cheniaux é psiquiatra, escritor, membro licenciado da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, professor de pós-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental da UFRJ, onde coordena o laboratório de pesquisa sobre o transtorno bipolar; e professor de pós-graduação em Ciências Médicas da UERJ. É autor do livro “Woody Allen: seus filmes são mesmo autobiográficos”? Rio de Janeiro: Autografia, 2019, v.1. p.304. [Prefácios de Marcelo Janot (O Globo) e de Ana Rodrigues (JB).
“Tão
apaixonado por Woody Allen quanto por seu suposto alter ego das telas,
Elie Cheniaux se debruça de forma minuciosa sobre a vida e obra do ator,
diretor e roteirista para investigar até que ponto vão as semelhanças e
diferenças. A decupagem criteriosa de seus 50 longas-metragens resultou
em um trabalho revelador por parte do autor”. (Do prefácio de Marcelo
Janot).
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segunda-feira, 4 de novembro de 2019
"UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK"
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